24/11/2005

O Simbolismo do Espaço Sagrado - Na arquitectura moderna e clássica


No Suplemento Pedras Vivas do Jornal da Madeira o Arquitecto João Cunha Paredes fez publicar o seguinte texto que julgo ser de grande importância, pelo que aquí também faço a sua divulgação:

"O simbolismo das igrejas não é algo de inteiramente desconhecido pelos fiéis. Certos trechos da Bíblia, comentários ouvidos durante as homilias, particularmente a homilia de con- sagração das novas igrejas, e informações colhidas em livros ou artigos, deixam vestígios na memória. Assim, sabe-se geralmente, ao menos entre os fiéis praticantes, que a igreja edificada representa a igreja espiritual, corpo místico de Cristo, que as pedras do edifício representam as "pedras vivas" que são os fiéis, que as janelas simbolizam hospitalidade franca e afectuosa caridade, que o pavimento representa o fundamento da Fé, que as colunas representam os apóstolos, que as vigas que unem as partes da igreja representam os princípios deste mundo, que a Capela do Santíssimo, onde Jesus está presente e onde se depositam os vasos sagrados, simboliza o seio da Virgem Maria, etc. Estas significações não se devem rejeitar, ainda que não sejam suficientemente profundas para explicar a simbologia sagrada das igrejas, que está na origem do projecto, mas não é sempre fácil de interpretar nos resultados arquitectónicos. Deste modo e em rigor, há que distinguir dois tipos de símbolo muito diferentes: o símbolo intencional e o símbolo essencial. As significações que todos conhecemos, algumas já sumariamente referidas, são símbolos intencionais e em certos templos a sua manifestação resulta de certo modo artificial, porquanto não se vê de imediato que justifiquem a natureza do objecto arquitectónico que supostamente inspiraram e a que deveriam dar forma. O sentido espiritual surge aqui como "transportado" para uma forma que não consegue convencer porque se sente que é intermutável: a melhor prova disso reside no facto de serem por vezes atribuídas significações totalmente distintas aos objectos em causa, o que se torna impossível no verdadeiro simbolismo ou simbolismo essencial. Este caracteriza-se precisamente pelo laço íntimo e indissolúvel que liga o objecto material à sua significação espiritual por uma união hierárquica e substancial análoga à da alma e do corpo, da realidade visível com a invisível - união essa apreendida pelo espírito como um todo orgânico, uma verdadeira hipóstase conceptual, uma síntese fulgurante do conhecimento e uma intuição como que instantânea. O simbolismo limita-se aqui a explicar uma realidade espiritual já existente implicitamente no coração da igreja. O homem moderno encara o mundo como um aglomerado de fenómenos, enquanto que para o homem clássico o mundo constituía uma realidade harmoniosa e hierarquizada. Na concepção moderna e puramente quantitativa, o mundo é visto como força e matéria que originam os fenómenos, por conseguinte não existe "chave" para a interpretação do mundo e a ciência moderna esgota-se em descobertas, espectaculares, necessárias e positivas sem duvida, mas ao mesmo tempo duvida da possibilidade e adia indefinidamente a esperança de uma verdadeira explicação da realidade. Pelo contrário, na concepção tradicional e qualitativa, consideram-se menos os fenómenos e as forças materiais do que a estrutura interna do mundo, a sua arquitectura espiritual: São Boaventura escreve que "todas as criaturas do mundo sensível nos conduzem a Deus, porque são as sombras, as pinturas, os vestígios, as imagens, as representações do Primeiro, do Sapientíssimo, do excelente Princípio de todas as coisas; são as imagens da Fonte, da Luz, da Plenitude eterna, do soberano Arquétipo; são sinais que nos foram dados pelo próprio Senhor".".

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